Guarda-chuvas

Tiago Andreoli Chilanti
6 min readJun 30, 2021

Numa pequena cidade, onde chovia muito, muito.

Um empreendedor criou uma solução, chamada guarda-chuva, e começou a produzir e vender guarda-chuvas.

Ele gastava 10 pra fazer um guarda-chuva e como não havia concorrência vendia por 15. Com um bom lucro de 5.

Logo ele estava vendendo muito. Mais do que conseguia produzir.

Então ele, como era muito ganancioso, aumentou o valor para 30, e continuou vendendo, afinal a demanda era alta.

Além disso os guarda-chuvas às vezes emperravam e quebravam com facilidade.

Mas ele era ganancioso e não tinha porque investir em melhorar a qualidade, afinal continuava vendendo.

Então um outro empreendedor percebeu que conseguiria produzir um guarda-chuva melhor por 15 e abriu uma fábrica e começou vender guarda-chuvas por 20.

O outro empreendedor, mesmo sendo ganancioso, não teve o que fazer, diante da queda nas vendas, teve que baixar seu preço e investir em melhorar a qualidade pra não perder o mercado. Como já estava com dinheiro dos lucros anteriores, investiu em uma nova linha de guarda-chuvas muito melhores, com luzinhas piscantes, que custavam 20 mas que podia vender a 30.

Um outro empreendedor percebeu que as pessoas mais pobres não podiam comprar guarda-chuvas, pois eles ainda eram muito caros a 20. Então ele percebeu que conseguiria produzir uma capa de chuva por 2 e vender a 4. E um guarda-chuva muito simples produzido a 5 e poderia vender a 10. Com isso ele criou uma fábrica e conseguiu atender a esse público.

Nenhum deles podia colocar preços muito altos ou diminuir muito a qualidade, pois os concorrentes logo iriam tomar seu mercado. Mas todos tinham bons lucros e aquela cidadezinha resolveu seu problema com a chuva, desde os mais pobres com suas capas de chuva, até os mais ricos com seus guarda-chuvas gigantes com luzes coloridas.

Começaram inclusive a exportar guarda-chuvas, já que tinham preços bons, qualidade e experiência nisso.

Numa outra cidade aconteceu algo parecido. Mas essa cidade era um pouco diferente.

Nessa cidade eles tinham uma tradição de escolher algumas pessoas e dar a elas o poder de decidir coisas importantes e também de cobrar da população um valor para isso e ainda o poder de os ameaçar e agredir fisicamente para garantir que pagassem essa taxa. Chamaram essas pessoas de Estado e esse valor de Imposto.

O primeiro empreendedor começou a produzir seus guarda-chuvas por 10, e como não havia concorrência iria vender por 15. Mas ele teria que pagar 5 de imposto ao Estado, então teve que começar vendendo a 20. Pagava 6 ao Estado e lucrava 4.

Logo ele estava vendendo muito. Mais do que conseguia produzir.

Então ele, como era muito ganancioso, aumentou o valor 35, e continuou vendendo, afinal a demanda era alta.

Mas os guarda-chuvas às vezes emperravam e quebravam com facilidade.

Mas ele era ganancioso e não tinha porque investir em melhorar a qualidade, afinal continuava vendendo.

Então um outro empreendedor percebeu que conseguiria produzir um guarda-chuva melhor por 15 e abriu uma fábrica e começou vender guarda-chuvas por 25.

A população estava pagando mais pelos guarda-chuvas e os empreendedores recebendo menos.

Mas é agora que a história estava prestes a mudar de vez.

O primeiro empreendedor, era ganancioso, e tinha um amigo entre as pessoas do Estado. Então ele conversou com seu amigo e resolveram criar uma regra, de que não poderiam vender guarda-chuvas naquela cidade por menos de 35, com o objetivo de eliminar o concorrente. Mas para disfarçar disseram que isso era pra garantir a qualidade dos guarda-chuvas a sua população.

Com essa regra, o novo empreendedor não teria o diferencial de preço, mas ele ainda poderia ter uma melhor qualidade.

Continuou sua fábrica e começou a vender os guarda-chuvas a 35. E conseguiu uma parte do mercado. E surgiram outros concorrentes pequenos como ele.

O empreendedor amigo do Estado, ainda não estava contente e estava com medo de perder muito do seu mercado e então, decidiu com o seu amigo do Estado criar várias regras que deveriam ser impostas a todas fábricas de guarda-chuva da cidade, regras que demandassem um alto investimento (mas que ele já cumpria), e com isso os concorrentes que ainda eram pequenos não conseguiriam pagar o investimento para se adaptar e desistiriam do negócio. Para disfarçar, disseram que isso era pra garantir a qualidade dos guarda-chuvas e a segurança dos funcionários da fábrica.

Com isso muitas fábricas fecharam, faltaram guarda-chuvas no mercado por um tempo, e nessa cidade agora guarda-chuvas era coisa de rico.

Mas um empreendedor achou uma brecha. Ele percebeu que poderia abrir uma fábrica de capas de chuvas e esta não teria as regras impostas que exigiam um alto investimento.

Começou sua fábrica e logo as pessoas estavam preferindo pagar 5 na sua capa de chuva do que 35 nos guarda-chuvas.

Então novamente o empreendedor ganancioso, com seu amigo no estado, criou uma lei que proibia o uso de capas de chuva na cidade, assim ele voltaria a ter seu mercado. Para disfarçar disseram que as capas de chuva estavam roubando o emprego dos trabalhadores da fábrica de guarda-chuvas e que estavam na mesma categoria e deveriam seguir as mesmas regras dos guarda-chuvas.

A fábrica logo fechou.

Com isso ele pode subir o preço do guarda-chuva a 50 e manter uma qualidade baixa, já que tinha o mercado garantido.

A população não gostava de pagar 50 pelo guarda-chuva, mas com o dinheiro dos impostos, as pessoas no Estado perceberam que se distribuíssem um pouco aos mais pobres, tinham uma forma fácil de manter uma grande quantidade de pessoas escolhendo eles para continuar comandando o Estado. Para disfarçar, diziam que eles eram benevolentes e os responsáveis por cuidar e garantir a vida daquelas pessoas.

Todos ficavam felizes e a vida parecia muito boa.

O empreendedor amigo do Estado então passou a esbanjar dinheiro, muitos gerentes começaram a desviar dinheiro.

E mesmo vendendo guarda-chuvas a 50, ele não conseguia ter lucro.

A solução encontrada foi estatizar a fábrica, assim ele ganharia uma bolada vendendo a fábrica ao estado e poderia gerir ela como quisesse, sem precisar ter lucro, já que podiam cobrir o prejuízo com o valor dos impostos. Tiveram que aumentar os impostos para isso.

Além disso, eles poderiam encher a empresa de amigos e garantir que eles iriam sempre os apoiar para serem os escolhidos a comandar o Estado.

Depois de algum tempo, um dia, o dinheiro acabou. Não tinha mais como a população pagar tantos impostos e com isso não tinham mais como manter as coisas funcionando, não tinha mais como manter auxílios, os empregos e a base de eleitores. E as pessoas começaram a ficar descontentes.

Foi então que um dos integrantes do Estado viu uma oportunidade, e começou a dizer o seguinte:

O problema é esse grupo que tomou conta do estado. Que criaram todo esse mecanismo para nos roubar se manter no poder e viver as custas do nosso trabalho. Eles são o problema!

Os amigos do estado protestavam

Não! Este cara é o demônio e quer exterminar nossa cidade!

O guarda-chuva é nosso!!!

A população em geral por outro lado se animou com a possibilidade de mudança!

Isso! Tirem eles de lá. Então o que você propõe? Vamos acabar com o Estado e deixar as pessoas livres para produzirem e se organizarem??

E o novo pretendente ao Estado respondeu:

Não, isso não funciona. Votem em mim, porque eu sim sei o que fazer com os impostos para melhorar a vida de vocês. Eu vou dar um jeito nessa bagunça. Botar ordem. E acabar com esse grupo que tomou conta do Estado e está nos ameaçando! Fora eles!

A população, cega e cansada depois de tanto tempo, se animou:

Viva!!! Nosso herói!!

E então ele virou o Estado. E fez exatamente a mesma coisa que o outro grupo vinha fazendo, mas agora com os seus amigos.

E então, se criaram dois grupos, incitando a população que o problema era sempre o outro.

E a cidade entrou em colapso, a população continuou muito pobre, sem guarda-chuvas, e os grupos se revezando no poder e se aproveitando da situação com seus guarda-chuvas piscantes.

E quando alguém na cidade perguntava

“Será que a gente precisa mesmo do Estado?”

Sempre respondiam:

“Mas sem o Estado quem iria produzir guarda-chuvas?

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Tiago Andreoli Chilanti

Eu sou desenvolvedor de software, empreendedor e pai. Nas horas vagas ainda sou poeta e humorista.